Entre Duas Eternidades, a mais recente publicação do psicoterapeuta José Calderoni, vem com o novo selo “Escuta Poiese”, da Editora Escuta, já está à venda em todo o País e constitui uma interessante articulação da história de vida do autor.
Desde a adolescência e também por reconhecer em sua própria pele as dores do viver, Calderoni, hoje com 69 anos, desenvolveu uma extrema sensibilidade empática, grande inquietude e curiosidade com os mistérios da existência. E esta inquietude é escancarada a cada dobrar de página de seu novo livro.
São 84 poemas dos que puderam ser recuperados de um total aproximado de 300 textos e anotações escritos e ilustrados dentro do contexto de sua história.
Aliás, está aí um dos grandes diferenciais da obra de Calderoni, inteiramente projetada por ele.
Cada linha, cada texto, cada esboço dos desenhos enriquecidos pelo brilhante Gil Tokio, as cores e escolhas das capas, cada detalhe da diagramação – tudo transcende em originalidade. Um exemplo é a criação do breviário com o qual o leitor pode viajar no contexto do momento de vida em que cada poema foi escrito. Ao lado, outra singularidade: um espaço para anotações de interesse do leitor que, desse modo, transforma-se em cúmplice absoluto dos poemas.
Os primeiros versos do livro, que seguem em ordem cronológica, são de 1967-1968. O autor tinha 15-16 anos e tentava manter o espírito de criança porque o adulto que se avizinhava o assustava sobremaneira.
Foi um dos períodos mais difíceis de sua vida. O castigavam a dor da solidão, a falta de dinheiro, a imobilidade causada sequelas impostas pela poliomielite aos cinco anos de idade… E tudo era registrado:
“Quero a mudança e não me movo.
Movo dentro da mudança, o nada.
Nada mudo, nada movo, nada de novo.
De novo me volto e paro de pensar”
Como neste texto de O Processo, escrito em 1967, Calderoni tinha o privilégio da forte presença das letras para compartilhar sua solidão, registrar a passagem da vida, as angústias e vazios da adolescência e a busca de saídas para tamanhas emoções.
Meio amedrontado, viveu os anos mais duros da ditadura militar do Brasil tentando compreender o mundo e buscar sua identidade. Os fins dos anos 60, início dos 70, jogaram em sua cara o desassossego, o conflito da revolta pela maldade humana e da aceitação pela finitude, sentimentos demonstrados subliminarmente nos textos sobre as histórias vindas dos porões da ditadura.
Sofreu com a tortura de amigos e professores do Colégio Vocacional, onde estudava, e seguiu para seu primeiro curso universitário na ECA-USP. Desta época, O Fim do Rato bradava o inconformismo em suas estrofes:
“As ratazanas decompostas nas ruínas
decompostas,
Perduram nos campos em trevas e treva,
Vieram visitar cidades, escombros,
Encontrando ratos, amigos mordazes.”
Em 1973, escreveu Consciência, um desabafo com a “zumbização” psicoativa e o apodrecimento intelectual ditado pelo regime militar. “Já vi muito zumbi por aí: a zunir.”
“Em um mundo que se evapora e liquefaz vertiginosamente, poder ser contemplado com a leitura de meus versos será um privilégio”, diz o autor, na sua Introdução.
Entre Duas Eternidades marca especialmente a juventude do escritor, mas também mostra sua visão do mundo em épocas mais adultas e maduras, até os dias de hoje.
O último poema publicado é de 2021 e parafraseia No Meio do Caminho, de Carlos Drummond de Andrade, para mostrar sua indignação com as mazelas trazidas pela Covid-19.
Só, Só com Drummond
“Tinha a Covid no meio do caminho,
No meio do caminho tinha o capitão menor,
A foice da morte,
… Tinha um que queria estar acima de todos,
acima das vacinas!
Mas tinha uma CONSTITUIÇÃO no meio do
Caminho !!!
Sobre o autor:
“As pessoas sempre me acharam muito distraído. Na verdade, eu sou inquieto, sempre tive muitos interesses, com vocação para o tudo, para o mínimo e para o máximo.”
É assim que José Calderoni se reconhece. Nascido em junho de 1952, teve a infância marcada pela poliomielite que lhe roubou a mobilidade aos cinco anos e meio e jogou dramaticidade em sua vida.
Conseguiu, apesar da doença, jogar bola, correr, brincar… ser uma criança com rotina normal!
Com o chegar da adolescência, passou a mostrar mais sua inquietude e solidão. Entrou em três faculdades com diferentes cursos ao mesmo tempo. Optou por jornalismo, na Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP) e psicologia na PUC. Em 1976, especializou-se em psicologia clínica e organizacional, entrou para a Academia, foi professor universitário e consultor organizacional (1977/1984).
Mas Calderoni nunca coube em uma única atividade. E se espalhou: fez Mestrado em Psicologia Clínica, proferiu palestras mundo afora, tocou o consultório… Só em 1984 casou-se com Regina, a também estudante de psicologia que havia conhecido na faculdade 11 anos antes.
Naquele ano, fundou uma empresa no ramo de camas e colchões Box e se tornou o primeiro fabricante brasileiro do produto (1984-2003). Sua vida atribulada de empresário, terapeuta e escritor abriu espaço ainda para o papel de pai, que fez questão de cumprir com afinco e dedicação ao único filho Vinícius, hoje com 36 anos.
José Calderoni é também autor do polêmico, e bem recebido pela crítica especializada, livro/tese – Descobrindo o Impensado: A religiosidade do Ateu Freud (e de cada um?).
Desde seus 14 anos escreve poemas. Dos mais de 300 que fez, muitos desapareceram após mudanças de residências de sua família de origem. Os que remanesceram estão publicados agora em ENTRE DUAS ETERNIDADES.