Por Solange Estanislau dos Santos
Em tempos de eleições a educação está sempre nas pautas das promessas dos candidatos e das candidatas aos cargos políticos, sendo a educação infantil disputada pelos discursos de expansão das vagas em creches para atender as demandas dos pais e mães trabalhadoras. Mas geralmente, ou quase sempre, essas promessas e planos de governo ignoram as necessidades e direitos dos bebês e crianças pequenas, assim como desconhecem as pesquisas e descobertas científicas sobre essa etapa da educação básica, caindo na cilada de tomarem esses espaços apenas como lugares que garantam a segurança desses pequenos sujeitos enquanto os/as adultos/as vão para o mercado de trabalho.
A educação infantil é muito mais do que isso! Ela é coisa séria! É a primeira etapa da educação básica. Ela é o começo do processo cultural, de socialização e de formação humana. É nela que se iniciam os movimentos de conservação ou transformação da sociedade atual. Por isso, se quisermos mudar o futuro dessa sociedade injusta e desigual que sofre com a emergência climática, as pandemias, todos os tipos de violências, guerras e misérias temos que nos preocupar e nos ocupar com o cuidar e educar dos bebês e crianças pequenas. É o hoje que interessa! Precisamos garantir que elas vivam suas infâncias de forma respeitosa, com diálogo, autonomia e participação. As crianças precisam ser ouvidas! Precisam ser consideradas como sujeitos, como determinam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil2 “Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura”. Essa concepção foi reforçada pela Base Nacional Comum Curricular3 que trouxe também a necessidade das instituições de educação infantil garantirem os direitos dos bebês e crianças de conviverem, brincarem, participarem, explorarem, se expressarem e se conhecerem. Assim como ratificou a centralidade das interações e das brincadeiras nas propostas curriculares, e a indissociabilidade entre cuidar-educar.
A educação infantil não é uma etapa preparatória para a escola, seu objetivo não é alfabetizar. Ela tem a função social, “que consiste em acolher, para educar e cuidar, […], compartilhando com as famílias o processo de formação e constituição da criança pequena em sua integralidade. Em segundo lugar, a função política de contribuir para que meninos e meninas usufruam de seus direitos sociais e políticos e exerçam seu direito de participação, tendo em vista a sua formação na cidadania. Por fim, a função pedagógica de ser um lugar privilegiado de convivência e ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas entre crianças e adultos. A articulação entre essas três funções promove a garantia de bem-estar às crianças, aos profissionais e às famílias”4. (Barbosa, 2009, p.9)
Tudo isso requer investimentos na formação docente e em condições de trabalho para todos/as profissionais da educação infantil; em infraestrutura com espaços e possibilidades para que esses direitos sejam efetivados e na reformulação das propostas pedagógicas.
Mas, para além disso, é preciso rever e colocar de ponta cabeça essa concepção de escola que carregamos e perpetuamos com práticas escolarizantes ultrapassadas, tradicionais, transmissivas que não garantem a formação integral das crianças e jovens, não contribui para uma sociedade melhor e não garante sucesso profissional futuro.
É necessário ampliar o olhar e a ação da escola para uma educação mais profunda e significativa que possibilite aos sujeitos formação social, cultural e humana. E a educação infantil é o começo disso. Ela é revolucionária e está a frente das outras etapas da educação básica, porque consegue colocar em prática o que teóricos/as como Malaguzzi, Freinet, Montessori, Rudolf Steiner, Emmi Pikler já pontuavam há séculos.
Nossas políticas públicas federais já tiveram um considerável avanço, assim como as pesquisas brasileiras, agora as instituições precisam incorporar esses conhecimentos, ajustar a cada realidade, reelaborar e transformar em práticas pedagógicas cotidianas.
Alguns municípios da região já ensaiaram pequenos passos na direção de uma Pedagogia da Infância que coloca a criança como protagonista do processo educativo, mas desconstruir um sistema escolar consolidado por tantos séculos, exige um conjunto de mudanças e esforços que depende de diálogo e relações democráticas entre crianças – escola – família e de comprometimento ético, social e político de todos/as os/as envolvidos/as, além da boa vontade política daqueles/as que ocupam cargos de decisão política.
Se quisermos crianças felizes, criativas, críticas e autônomas precisamos transformar as creches e pré-escolas em espaços que possibilitem essa formação. Para que isso aconteça, é preciso mudar. Não se muda nada mantendo tudo do jeito que está ou retrocedendo.
Solange Estanislau dos Santos é Doutora em Educação pela UNICAMP; Membro dos grupos de pesquisa GEPPECI/UFAL e GEPEDISC-Culturas Infantis/UNICAMP; Membro do grupo gestor do FPEI (Fórum Paulista de Educação Infantil). Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/6911597590545237 – Instagram @profa.solangeestanislau.