O piloto Henderson Alves das Chagas (Décinho), natural de São Sebastião (SP), viveu intensamente a vida política de São Sebastião durante os anos do regime militar. Era vereador, foi preso e ficou incomunicável por 11 dias. A família não sabia se estava vivo ou morto.
Durante o período que ficou preso, primeiro pensavam que ele era analfabeto, foi interrogado e considerado comunista. Depois descobriram através do RG expedido pela Aeronáutica, que ele era AVIADOR e ameaçaram retirar a licença se ele não renunciasse ao cargo de Vereador.
Em 1969 renunciou o cargo de Vereador, e foi trabalhar em São Paulo na Empresa Servencin Taxi Aéreo, transportando malotes em voos noturnos para Brasília e Porto Alegre. Porém, a sua esposa Diva não se acostumou por lá e resolveram voltar para São Sebastião com os filhos.
Nessa época ele ainda ficou inconformado por abandonar a aviação e comprou uma passagem de ônibus para voltar para São Paulo, mas não conseguiu embarcar. Depois ficou sabendo que o a aeronave que ele ia pilotar sofreu uma pane e espatifou-se no solo. Só aí entendeu que seu destino era por aqui mesmo. Voltou a se candidatar a Vereador, se reelegeu, e foi também Presidente da Câmara.
Mas a história que vou contar não é sobre a vida política é um acontecimento que ficou na memória do seu amigo de infância o Luiz Leite Santana (Zangado), que também foi vereador participou da vida política de São Sebastião, e contava essa história como uma proeza do tempo que eles eram jovens. O Zangado faleceu em 2022.
Presto aqui esta homenagem à esses dois inesquecíveis Caiçaras que tive o privilégio de conhecer e conviver. Num sábado ensolarado de 1959, às 8 horas, partiram do Aeroclube de Santos, da Praia Grande: Zangado e Décinho, rumo à São Sebastião. Décinho vinha confiante e faceiro no comando do Teco-Teco, e Zangado tenso e tímido pois voava pela primeira vez. Deram rasantes em Juquey, Boiçucanga, Maresias, na frente da cidade e até no bairro de São Francisco se exibindo e matando a saudades da terra natal.
Desceram no Campo de Aviação que havia perto do cemitério onde pousavam aviões de pequeno porte. A descida foi tranquila provando a competência do piloto. Deixaram o avião estacionado e amarrado como manda o protocolo de segurança, e foram visitar a família e amigos pois a ideia era voltar às 15 horas, no máximo, pois não podiam anoitecer na viagem. Na hora prevista levantaram voo.
A tarde estava bonita, céu e mar azul, deram mais uns rasantes e subiram a 600 metros de altura, em direção à Praia Grande.
Passando a Ilha de Montão de Trigo, Zangado percebeu que a rotação do motor caia e o avião começava perder altura. Mais tarde Décinho avisa:
“Zangado o motor parou, vamos cair!”
Tentando chegar à Base Aérea de Santos, observaram um rio e um bananal. Zangado falou:
“Prefiro que seja no rio, a gente nada e tudo bem!”
Décinho recusou a ideia de descer no rio, achou que podiam capotar, bater a cabeça e desmaiar. Zangado rezava e pedia para não ficar inválido, só tinha 23 anos e pediu pra morrer em vez de ficar numa cadeira de rodas.
Nesse momento Décinho demonstra mais uma vez sua perícia, o avião caiu no meio do bananal a 90 km por hora, ficou de ponta cabeça, o impacto foi muito forte.
Zangado ficou preso no cinto de segurança e Décinho parecia desmaiado. De repente, Décinho quebra o silêncio e pergunta se está tudo bem. Os dois descem do avião se olham e não estão com nenhum aranhão. O avião virou um monte de ferro e lona retorcido. Parecia milagre!
Desceram pelo bananal e acharam uns trilhos onde os vagões carregavam as bananas para levar ao chatão na beira do rio. Décinho ainda voltou, fechou a gasolina que havia esquecido e seguiram os dormentes para tentar sair do local.
Depois de uma hora e meia de caminhada chegaram à periferia de Itapema, caminharam ainda e já quase noite, ao longe avistaram um aglomerado de pessoas, era um botequim. Essa foi a primeira parada depois do acidente, beberam cerveja gelada, comemoraram com as pessoas do local e depois seguiram para a Base Aérea de Santos para comunicar o acontecido e tomar providências.
Segundo eles, esse acontecimento não foi pior, graças as orações dos seus parentes que os acompanharam na decolagem do avião em São Sebastião.
Hoje Décinho está em casa, de repouso, ficou internado por causa de uma pneumonia e se recupera junto de seus familiares.
*A autora: Maria Angélica de Moura Miranda é escritora e jornalista, em São Sebastião (SP).