Por força de nossa mudança (Eu e a família) para o Litoral Norte, fazia mais ou menos uns 4 anos que não íamos em uma feira tradicional de rua. E quando digo tradicional, estou falando daquelas feiras com centenas de barracas e com todos os tipos de frutas, legumes, verduras, peixes, temperos, tampa de panela, tiras de sandálias, roupas, DVD’s piratas, e claro, pastel e caldo de cana.
Ainda sobre o termo “tradicional”, feira que é feira tem que ter feirantes poliglotas, falando e cantando em “Gritânico e Berranês”. “MOÇA BONITA NÃO PAGA, MAS TAMBÉM NÃO LEVA”; “ÓÓÓOLHA A BANANA, TÁ BARATA, TÁ A PREÇO DE BANANA!”; “OLHA AQUI DONA MARIA, A SUA METADE DA LARANJA, BATE CORAÇÃO”!
Pra mim, a feira de rua sempre foi um lugar de diversão, passeio e comilança. Até os meus 17 anos, ir à feira de quinta com a minha mãe era uma “obrigação” que eu fazia por prazer (principalmente por saber que o pastel de queijo e o caldo de cana estavam lá me esperando).
Outra diversão pra mim, até os 12 anos, (essa um pouco mais sádica) era levar o carrinho de feira pra minha mãe e aproveitar para passar “sem querer querendo” com a rodinha do carrinho de feira por cima dos pés das velinhas. (Sei que vou carregar esse karma comigo, mas era divertido e tá feito).
A verdade é que a feira de rua era pura diversão. Comer pastel, tomar caldo de cana e “esmagar” mindinhos calçados por sandálias franciscanas e meias, era o máximo da jocosidade. Já para os adultos tinha a diversão da fartura, dos preços acessíveis, dos carrinhos abarrotados. E essa era a memória afetiva e a imagem que me vinha à cabeça quando daqui do Litoral eu pensava na feira livre do Bairro do Limão, Zona Note de São Paulo;
– Eu disse: “Era… infelizmente era”…
Como narrei no começo do texto, viemos morar no Litoral e nesses 10 anos vivendo por aqui, por conta do meu trabalho, estive na Feira em SP (já adulto e sem aquela tara por dedos mindinhos) umas 5 vezes, sendo a penúltima há 4 anos e a última nesta semana (quinta-feira) juntamente com minha mãe, padrasto e esposa. (nossa filha de 17 anos, não é muito chegada em aglomeração e pediu um pastel delivery). Pelo menos não foi um pastel do Metaverso.
Mas o fato é que desta vez percebi que algo estava diferente, mas na hora não soube identificar o que era. Os gritos dos “feirantes poliglotas” tava ok, as barracas ok, o pastel e o caldo de cana, ok, ok; mas mesmo assim algo parecia-me estranho.
Compramos algumas frutas, abacaxi (descascado e já fatiado) – seria isso? – Estranho… mas não! Morangos orgânicos a R$ 40,00; – Opa, seria isso? – Caro $$$$, mas não, não era isso…Porém a sensação martelava minha cabeça e a resposta não vinha. Bem, “fizemos a feira”, eu com umas três sacolas nas mãos, minha esposa com umas duas, minha mãe e meu padrasto com uma sacola cada um, e assim fomos andando pra casa, que fica na rua transversal a da feira. Uns 200 metros no máximo.
Foi então, que durante essa caminhada (uma meia maratona para um sedentário) com as sacolas balançando como pêndulos, tive meu momento Arquimedes de Siracusa… “EUREKA!” – Por onde andam os carrinhos de feira?
– Como naqueles filmes de Hollywood, onde o ator fecha os olhos e começa a voltar no tempo em ordem inversa dos fatos ocorridos, me dei conta. NÃO vi carrinhos de feira na feira! – Cadê o carrinho de feira bipartido da minha mãe, no qual as frutas mais firmes iam no compartimento de baixo, as que amassavam encima e com aquelas rodinhas vermelhas assassinas de dedos mindinhos de velinhas indefesas?
E então, como num “dejavu” dos tempos onde a feira parecia uma daquelas competições americanas onde os carros são colocados numa arena para se chocarem uns nos outros até sobrar apenas um, me dei conta de que os carrinhos de feira foram aposentados e trocados por pequenas sacolas, tipo aquelas de supermercado, mas sem a propaganda.
Aposentados não por obsolescência ou pela tecnologia. Aposentados pela inflação galopante de um país onde o Agro é tech, o Agro é Pop, o Agro é tudo, porém um Agro que não permite que a dona de casa, o pai de família, a idosa de alpargatas e meias, consigam encher um simples carrinho de feira.
A banana, não tem mais o preço de banana, a cenoura não vende mais por bacia, a feira não é mais popular e os dedinhos das senhoras indefesas estão a salvo; pelo menos por enquanto.