Maria Angélica de Moura Miranda
O peixe salgado repousa nas minhas primeiras lembranças. Não só nas saudosas “vendas”, onde só de entrar, já se sentia o perfume da iguaria.
Meu pai, com sua mania de passear aos fins de semana, levava-nos também para visitar os japoneses, que faziam salga em Ilhabela/SP. Era uma praia inteira, cheia de varais de peixes secos.
Minha mãe e minha avó secavam camarão e ova de peixe quase toda semana, de acordo com a precisão. Nessa época, acho que nem tínhamos geladeiras e vivíamos cercadas de peneiras ao sol. De vez em quando, alguém ralhava:
“Maria, cuidado para não ir bicho nos camarões!”
Os bichos eram as galinhas e gatos, que rondavam as peneiras, adivinhando que havia ali uma delícia.
Sinto até hoje o gosto do peixe seco e do camarão dos nacos que a gente roubava, daquele jeito mesmo, sem cozinhar.
Na Praia da Frente, em São Sebastião/SP, canoas iam e vinham com produtos vindos de outras praias ou seguindo para serem vendidos em Santos.
Minha mãe Beatriz e minha avó Totó faziam receitas deliciosas. Eu não consegui aprender quase nada. Na maioria das vezes, preparo refogados com batatas ou bolinhos de “caçalhau” (com cação, ao invés de bacalhau). No passado, fritei muitos no fogão a lenha no fundo do meu quintal.
Quando descobri o trabalho da Angélica de Souza, logo me alvorocei para ajudar. Sinto que ela é a pessoa certa para reviver e manter essa tradição, que, além de essencial para a preservação do alimento, é um dos marcantes coponentes do imaginário caiçara.
Essas práticas ancestrais da Culinária Caiçara combinam também com as exigências do nosso tempo, tão preocupado com a qualidade do que comemos.
Agora a Angélica de Souza vai lançar um livro de receitas, que delícia resgatar nossas lembranças. Já estou com água na boca!